5 poemas inéditos de Nuno Júdice

 

 

 

OBSERVAÇÃO E ANÁLISE

 

 

 

Num poema, encontro partículas de diversa

 

ordem. Algumas decorrem de antigas explosões

 

de sentimento, e com o tempo dissolveram-se

 

no meio de palavras que perderam o fulgor;

 

outras mantêm o brilho de um instante

 

primordial, aquele em que se formou o universo

 

do ser: são elas que captam a atenção de quem,

 

ao longo da leitura, se apercebe da verdade

 

que transparece por entre os versos. Assim,

 

quando analiso a forma desse poema que ouvi,

 

ponho de lado a técnica e o engenho com que

 

foi escrito e tento, acima de tudo, cristalizar

 

esse corpo que o inspirou, o rosto da amada,

 

a voz que transformou o que poderia ter sido

 

um encontro casual em algo que permanece

 

em cada sílaba, como se pudéssemos tocar

 

desse modo a substância do amor. Na realidade,

 

o que vemos aqui é algo tão simples como

 

a alquimia que converte em ouro o chumbo

 

afastando do olhar as partículas do efémero

 

para que se revele, no tubo de ensaio do poema,

 

a essência de um sentimento que parece eterno. 

 

 

 

 

 

 

 

Observación y análisis

 

 

 

En un poema, encuentro partículas de diversa

 

índole. Algunas provienen de antiguas exaltaciones

 

sentimentales, y con el tiempo se disolvieron

 

en medio de palabras que perdieron su fulgor;

 

otras conservan el brillo de un instante

 

primordial, aquel en que se formó el universo

 

del ser: ellas son las que captan la atención de quien,

 

durante la lectura, percibe la verdad

 

que se asoma entre los versos. Así,

 

cuando analizo la forma de ese poema que oí,

 

hago a un lado la técnica y la destreza con las que

 

fue escrito y trato, sobre todo, de fijar

 

ese cuerpo que lo inspiró, el rostro de la amada,

 

la voz que transformó lo que podría haber sido

 

un encuentro casual en algo que permanece

 

en cada sílaba, como si pudiéramos tocar

 

de ese modo la sustancia del amor. En realidad,

 

lo que vemos aquí es algo tan simple como

 

la alquimia que convierte en oro el plomo,

 

alejando de la mirada las partículas de lo efímero

 

para que se revele, en el tubo de ensayo del poema,

 

la esencia de un sentimiento que parece eterno. 

 

 

 

ENTREGA

 

 

 

Procuro a tua imagem nos espelhos

 

do meio-dia, nos campos em que os rebanhos

 

se perdem do pastor, nas horas que o sol fere

 

com as suas setas para que os minutos se soltem

 

das veias do tempo. E vens ao meu encontro,

 

com o teu vestido branco, com os teus colares

 

de pedra, com a tua pele suave como os nenúfares

 

que os cisnes desejam. Escavo com os dedos a espuma

 

indecisa da memória, e encontro a tua boca

 

húmida, os lábios de onde provei um néctar

 

de fonte, os olhos que o desejo abre nas manhãs

 

em que as aves se calam para que a tua voz

 

atravesse os corredores do amor. E é dentro de mim

 

que a tua imagem ganha a forma que as minhas mãos

 

percorreram. E é como se batesse à porta do corpo

 

que tu me abres, com o lento fogo que arde

 

no sabor de um abraço, para que eu te diga

 

que és a flor que nenhuma retórica sonhou. E

 

entrego-te o coração em que pulsam os sentidos

 

que partilhamos, os braços que acompanham

 

o ritmo da ânsia que nos une, o peito em que bate

 

o êxtase que nos envolve sob

 

o perfume do amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entrega

 

 

 

Busco tu imagen en los espejos

 

del mediodía, en los campos donde los rebaños

 

se le pierden al pastor, en las horas en que el sol hiere

 

con sus flechas para que los minutos se suelten

 

de las venas del tiempo. Y vienes a mi encuentro,

 

con tu vestido blanco, con tus collares

 

de piedra, con tu piel suave como los nenúfares

 

que los cisnes anhelan. Excavo con los dedos la espuma

 

indecisa de la memoria, y encuentro tu boca

 

húmeda, los labios de donde surge un néctar

 

de fuente, los ojos que el deseo abre en las mañanas

 

cuando las aves se callan para que tu voz

 

atraviese los corredores del amor. Y dentro de mí

 

tu imagen toma la forma que mis manos

 

recorrieron. Y es como si tocara a la puerta del cuerpo

 

que tú me abres, con el lento fuego que arde

 

en el sabor de un abrazo, para que yo te diga

 

que eres la flor que ninguna retórica soñó. Y

 

te entrego el corazón donde se agitan los sentidos

 

que compartimos, los brazos que acompañan

 

el ritmo del ansia que nos une, el pecho donde late

 

el éxtasis que nos envuelve bajo

 

el perfume del amor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AS SANTAS MÍSTICAS

 

 

 

Há mulheres resplandecentes sob o manto

 

que as esconde. Os seus corpos são brancos como o linho

 

áspero em que se deitam, e a sua pele é macia

 

quando o frio da manhã a percorre com as mãos

 

duras do inverno. Os cabelos negros soltam-se

 

ao longo das costas, e quando as vemos de frente

 

são a cortina que lhes esconde os seios. Essas mulheres

 

sentam-se no banco de pedra junto à vigia

 

de onde espreitam o mundo. Com os dedos

 

finos das suas mãos contam os dias que faltam

 

para o fim da sua eternidade. Quando rezam, de joelhos,

 

ferem os cotovelos na laje do corredor. Os lábios

 

murmuram a oração em que pedem a deus

 

que desça até junto dos seus rostos; e abraçam

 

a nuvem que se forma quando a humidade

 

se solta das suas bocas, quando respiram, e o vidro

 

se embacia para que elas olhem para dentro de si,

 

e não para fora, onde o céu escurece com as contas

 

da chuva. E espreito o fundo da sua alma, onde

 

se abre o caminho do êxtase que as possui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Las santas místicas

 

 

 

Hay mujeres resplandecientes bajo el manto

 

que las oculta. Sus cuerpos son blancos como el lino

 

áspero en que se tienden, y su piel es suave

 

cuando el frío de la mañana la recorre con las manos

 

duras del invierno. Sus cabelleras negras se esparcen

 

a lo largo de la espalda, y cuando las vemos de frente

 

son la cortina que oculta sus senos. Esas mujeres

 

se sientan en una banca de piedra junto a la ventana

 

desde donde observan el mundo. Con los finos

 

dedos de sus manos cuentan los días que faltan

 

para el fin de su eternidad. Cuando rezan, arrodilladas,

 

se lastiman los codos en la piedra del corredor. Sus labios

 

murmuran la oración con la que piden a dios

 

que descienda al nivel de sus rostros; y abrazan

 

la nube que se forma cuando la humedad

 

se escapa de sus bocas, cuando respiran, y el vidrio

 

se empaña para que ellas miren dentro de sí,

 

y no hacia afuera, donde el cielo se oscurece con las razones

 

de la lluvia. Y observo el fondo de su alma, donde

 

se abre el camino del éxtasis que las posee.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A SOMBRA

 

 

 

Era a primeira a atravessar o corredor,

 

abrindo as portas de par em par; e

 

a última a atravessá-lo, fechando todas

 

as portas atrás dela. Eu ouvia os seus passos

 

leves, de manhã, à espera que me abrisse

 

a porta; e ouvia-os, à noite, fechando a porta,

 

como se esperasse que eu adormecesse

 

à sua passagem. À luz fria da madrugada, o negro

 

da sua roupa brilhava; e à luz obscura

 

do candeeiro que tinha na mão, com a chama

 

a tremer enquanto se movia, o branco

 

dos seus cabelos brilhava sb o negro

 

lenço que os cobria. Nunca soube como se

 

chamava; nunca ouvi a sua voz. Mas hoje,

 

ao lembrá-la, sei que é ela que abre as portas

 

da minha memória, quando a sua sombra

 

me acorda; e é ela que as fecha, à noite,

 

como se a memória se pudesse fechar

 

à sua passagem.

 

 

 

La sombra

 

 

 

Era la primera en atravesar el corredor,

 

abriendo las puertas de par en par; y

 

la última en atravesarlo, cerrando todas

 

las puertas tras de sí. Oía yo sus pasos

 

leves, en la mañana, esperando que me abriera

 

la puerta; y los oía, en la noche, al cerrar la puerta,

 

como si esperara que yo me durmiera

 

cuando ella pasara. A la fría luz de la madrugada, lo negro

 

de su ropa brillaba; y a la oscura luz

 

de la vela que traía en la mano, con la llama

 

que temblaba a cada paso, lo blanco

 

de su cabello brillaba bajo el negro

 

lienzo que lo cubría. Nunca supe cómo se

 

llamaba; nunca oí su voz. Pero hoy,

 

al recordarla, sé que es ella quien abre las puertas

 

de mi memoria, cuando su sombra

 

me despierta; y es ella quien las cierra, en la noche,

 

como si la memoria se pudiera cerrar

 

ante su paso.

 

 

 

DE UM LADO PARA O OUTRO

 

 

 

Quando atravessava a rua para ir comprar

 

o pão, no supermercado, ela vinha em sentido contrário

 

já com o pão para o pequeno-almoço. Quer fosse

 

num dia de sol quer fosse num dia de chuva, quer fizesse

 

frio, quer estivesse calor, fazia o mesmo caminho

 

ao contrário do meu. Da minha janela, podia

 

vê-la a preparar o café, ou talvez fosse o chá,

 

e cortava o pão na tábua que eu via da minha janela,

 

tomando nota de cada gesto. E quando

 

acabava de comer e se ia embora, eu ficava

 

à espera do dia seguinte, para me cruzar

 

com ela, na rua, repetindo o horário de todos os dias

 

em que íamos em sentidos diferentes. Um dia,

 

porém, deixei de a ver; e a janela onde tomava comigo

 

o pequeno-almoço, sem saber que eu a acompanhava,

 

da minha janela oposta à sua, ficou vazia – e

 

desde aí, o meu pequeno-almoço em casa

 

ganhou um gosto a solidão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 De un lado a otro

 

 

 

Cuando atravesaba la calle para ir a comprar

 

el pan, en el supermercado, ella venía en el sentido contrario,

 

ya con el pan para el desayuno. Fuera en

 

un día de sol, fuera en un día de lluvia; hiciera

 

frío, hiciera calor, ella recorría el mismo camino

 

contrario al mío. Desde mi ventana, podía

 

verla preparando el café, o tal vez fuera el té,

 

y partía el pan en la mesa que yo veía desde mi ventana,

 

observando cada gesto. Y cuando

 

acababa de comer y se iba, yo me quedaba

 

esperando el día siguiente, para cruzarme

 

con ella, en la calle, en el mismo horario de todos los días,

 

yendo ambos en sentidos diferentes. Un día,

 

sin embargo, dejé de verla; y la ventana donde tomaba conmigo

 

el desayuno, sin saber que yo la acompañaba,

 

en mi ventana frente a la suya, se quedó vacía – y

 

desde ahí, mi desayuno en casa

 

adquirió un sabor a soledad.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nuno Júdice nació en Mexilhoeira Grande, Algarve, el 29 de abril de 1949. Obtuvo su licenciatura en la Facultad de Letras de la Universidad de Lisboa y se doctoró en 1989 por la Facultad de Ciencias Sociales y Humanas de la Universidad Nova de Lisboa, con una tesis sobre literatura medieval titulada El espacio del cuento en el texto medieval. Se incorporó en 1976 al cuadro docente de esta institución universitaria, y se jubiló en 2015. Su primero libro, La noción de poema, sale de las prensas en 1972. En los cuarenta años de actividad que se han seguido, su poesía completa ha sido colegida en dos ocasiones: en 1991 bajo el título Obra poética (1972-1985); y en 2001, en esta oportunidad teniendo por título Poesía reunida. 1997-2000. Su obra, que suma ya treinta títulos de poesía, ha sido traducida a diferentes lenguas –el francés, el español, el italiano, el inglés, el alemán o el neerlandés, entre otras. Además de poeta, Nuno Júdice es también novelista y dramaturgo. Viene desarrollando una labor continuada como traductor. Ha publicado diferentes trabajos sobre teoría de la literatura y literatura portuguesa.Es el actual director de la revista literaria Colóquio/Letras, de la ‘Fundación Calouste Gulbenkian’, función que ejerce desde 2009.

 

Su obra poética ha sido ampliamente premiada. En 2013, por el conjunto de su obra, recibe el XXII Premio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana y en 2014 el Premio Poetas del Mundo Latino Victor Sandoval.

 

Fotografías de Nuno Júdice de Pascual Borzelli Iglesias

 

Semblanza proporcionada por Nuno Júdice

 

 

Blanca Luz Pulido. Nació en Teoloyucan, Estado de México, el 27 de octubre de 1956. Poeta. Estudió Lengua y Literaturas Hispánicas en la ffyl de la unam. Editora en el fce, El colmex, la Agrupación Sierra Madre y la Embajada de Francia; miembro del Departamento Editorial de la Dirección de Difusión Cultural de la uam. Fundadora de la Asociación de Traductores Profesionales. Traductora del francés, inglés, italiano y portugués; entre sus traducciones más importantes se encuentran: Amor al arte, textos breves y aforismos de Gustave Flaubert; Sumario lírico, antología de poemas de Fiama Hasse Pais Brandao, Ácrono Producciones, 2000; y Teoría general del sentimiento, de Nuno Júdice, Trilce Ediciones, 2000. Colaboradora de Cartapacios, Casa del Tiempo, Diógenes, El Cocodrilo Poeta, El Nacional Dominical, Equis, ipn Ciencia Arte: Cultura, La Gaceta del fce, La Jornada Semanal, Los Universitarios, Pauta, Revista Mexicana de Cultura, Revista de la Universidad de México, Tierra Adentro y Viceversa. Becaria del Tercer Programa para la Formación de Traductores del colmex, 1978; del inba, 1984; del snca, 2001-2004 y 2004-2007; del Instituto Camoes en Lisboa, 1999-2000.

 

 

Fotografía de Pascual Borzelli Iglesias

Semblanza tomada de la página Enciclopedia de la Literatura en México

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